No post anterior, prometi listar algumas palavras que de alguma forma deixaram marcas em mim à medida que passaram a fazer parte de meu vocabulário.
Hoje, vou falar de uma palavra cantada.
Eu morava em Vila Industrial, em São Paulo, na divisa com Santo André. Tinha uns sete anos de idade. Perto de casa tinha um circo montado. Dele me lembro que tinha um serviço de autofalante que tocava direto uma música que, soube anos mais tarde, era o tema do Quarto Centenário de São Paulo, um “chicletinho” composto pelo acordeonista Mário Zan em 1954. Também me lembro de uma atração que, só de ouvir, me dava medo: o globo da morte.
Certo dia, um caminhão atropelou e matou uma velhinha próximo de minha casa e do circo. Aquele caminhão ficou o dia inteiro parado no local do acidente… Ouvi quando um carro da polícia, a então famosa Rádio Patrulha (RP), chegou com a sirene ligada. Não entendia porque a RP tinha ido para lá fazendo esse barulho… Pensava que era para avisar o criminoso de que não adiantava correr, pois a polícia estava chegando… Coisas de criança…
Via isso de longe, não fui lá perto. Minha curiosidade não chegava a tanto. Talvez fosse medo…
Não sei se foi no dia seguinte ou dois dias depois, fez-se o enterro da velhinha. Ouvi novamente a sirene. Dessa vez, era do carro da funerária.
Ao mesmo tempo que o carro da funerária passava (não me recordo de pessoas acompanhando!), o circo tocava uma música. Não era o Mário Zan. Era Ray Charles: I can’t stop loving you.
Nunca mais deixei de associar essa música com aquele momento de minha infância. Ainda hoje, quando a ouço, sinto o mesmo aperto no coração que tive naquele dia…
Quem será que teve a ideia de tocar aquela música na hora em que o grande amor de alguém se foi?
Ouça aqui I can’t stop loving you.
Amorim Leite