Dois pais e duas medidas

Grandes turmas de formandos às vezes se transformam em bicho-papão para mestres de cerimônias. Manter a disciplina de mais de cem formandos, de maneira que se tenha um evento digno de ser compartilhado com a família, não é muito fácil. E quando esses for-mandos são de direito, medicina ou enge-nharia, o desafio é maior ainda.

Uma das instituições de ensino que sempre trataram a colação de grau “festiva” como “oficial” eram as Faculdades Metropolitanas Unidas, atual UniFMU. Funcionava assim: as comissões de formatura contratavam as empresas para organizar a solenidade, mas, na lista da chamada nominal só constava o nome de quem estava em dia com as questões acadêmicas com a faculdade.

Para se ter ideia de como isso era levado a sério, o próprio secretário-geral da FMU, professor Celso Hamiltom de Camargo, é quem fazia a chamada nominal. Cheguei a pre-senciar casos de formandos que só faltaram se ajoelhar diante dele em troca de o nome ser incluído na lista. Camargo era impassível, nada o fazia mudar de conduta. Uma vez, os pais de um formando de direito que moravam nos Estados Unidos vieram especialmente ao Brasil para assistir à cerimônia de colação de grau do filho. Este não informou que estava retido por ter sido reprovado em uma matéria.

Para ajudar a tirar o jovem de maus lençóis, os coordenadores do evento sugeriram a ele que, mesmo sem ser chamado, fosse até a mesa e recebesse o canudo entre um colega e outro, pois, assim, pelo menos, os pais o veriam “colando grau”. Aliás, esse mesmo artifício foi usado em outras ocasiões e em situações semelhantes. A bem da verdade, registre-se, o secretário-geral tinha uma justificativa paras sua rigidez. Segundo contava, em evento em que ele não estava presente, um aluno reprovado chamado para colar grau entrou com processo contra a FMU alegando que tinha direito ao diploma uma vez que tinha par-ticipado da formatura. Como prova, anexou vídeo e álbum de fotos.

Numa solenidade de colação de grau de direito da FMU, com cerca de quatrocentos for-mandos participando, deu-se também o que conto a seguir. O Palácio das Convenções do Anhembi, lotado. Os bacharelandos, indóceis. Durante a chamada, o barulho que faziam era tanto que pouco se ouvia o nome dos formandos ser anunciado. Camargo não estava nem aí, ia chamando, chamando… Quando terminou seu trabalho, voltei à tribuna. Logo que reiniciei, um senhor bem vestido, aparentando ter uns cinquenta e poucos anos de idade, saiu de seu lugar no auditório e veio em direção à tribuna. “Quem é que manda nessa ‘ba-gunça’?”, perguntou-me lá de baixo. Respondi que era a direção da faculdade e que eu não podia fazer nada, pois era apenas o mestre de cerimônias. Com ares de que estava real-mente inconformado com que via, voltou para o lugar em que estava assentado.

Poucos dias depois, li no Jornal da Tarde, na seção “São Paulo Pergunta”, uma carta de um pai de formando reclamando do comportamento de “futuros advogados em solenidade de formatura no Anhembi”. A julgar pelo tema da reclamação, concluí que o missivista até poderia ser aquele senhor que havia falado comigo. A resposta à carta também estava lá, assinada pelo presidente da comissão de formatura. Por ser do período da manhã, ele dizia que os “malcomportados” eram os da noite (ou vice-versa, não me lembro mais).

Nessa mesma época, fui contratado para apresentar a colação de grau de uma turma da então Faculdade de Engenharia Industrial (FEI). Preocupada com o comportamento dos engenheirandos, a direção da faculdade municiava os MCs com um texto de advertência para ser lido quando sentisse que precisava dar um basta à conduta dos formandos. Na-quela noite, até que o evento estava transcorrendo com tranquilidade e dentro do que se esperava de uma formatura de engenharia. Mesmo assim, o presidente da mesa solicitou que a mensagem fosse lida. Relutei pelo menos umas três vezes. O texto dizia, em síntese, que, se os formandos não se comportassem adequadamente, a mesa iria se retirar.

Li o comunicado a contragosto. Por parte dos formandos, recebi vaias, claro. Os convidados se dividiram. Parte aplaudiu e parte vaiou também. Entre os que vaiaram, sobressaiu-se um pai. De onde estava no auditório, gritou: “Não concordo com essa atitude da faculdade. Os formandos têm o direito de fazer o que quiserem. A festa é deles”. Em protesto, retirou-se.

Dois pais e duas medidas. Duas visões diferentes de um mesmo evento. Quem está certo?

Amorim Leite

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