Quem assiste a algumas solenidades de forma-tura, principalmente às festivas, provavelmen-te não entende muita coisa e nem consegue ou-vir os discursos – tanto dos homenageados co-mo dos representantes dos formandos. Mais com cara de bota-fora do que de solenidade, essas colações de grau realizadas em locais pú-blicos – justamente para que a sociedade co-nheça de perto os novos profissionais – tor-nam-se uma vitrina de jovens de comporta-mento, se não duvidosos, pelo menos inade-quados para aquele tipo de evento.
É comum os formandos chegarem bêbados para colar grau – já presenciei casos em que, na hora da chamada nominal para a entrega do canudo, o formando estar na enfermaria do auditório tomando glicose para amenizar o teor alcoólico de seu organismo. Também já vi formandos se “realizando” ao mostrar as nádegas para a plateia na hora em que passa em frente à mesa solene. Ainda vou escrever sobre outros absurdos de que tenho sido testemunha. Por ora, fico por aqui, pois meu objetivo é transcrever o artigo de José Ru-bens Naime sobre esse tipo de comportamento. Naime é médico, psicanalista e ex-professor de Psicopatologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Confira.
Apontando sintomas
A psiquiatria tem como objetivo fundamental o estudo dos fenômenos humanos individuais cuja expressão maior é o sintoma. A partir dos sintomas, identificamos o quadro clínico e, tendo isso por referência, passamos ao tratamento.
No caso em questão – comportamento durante solenidades de formatura – todas as hipóteses seguintes são válidas, ou, em linguagem psiquiátrica, todos esses “sintomas” são verdadeiros:
1) Os recém-formados são adultos-jovens em formação;
2) Há desorganização dos valores morais do mundo atual;
3) Há o medo de que, ao receber o diploma, não saibam o que fazer com ele ou não tenham onde realizar-se profissionalmente;
4) Há o comportamento de público (apenas o dos formandos, não extensivo ao dos familiares e convidados; e
5) Por ser um movimento de público, a plateia inibe a reação em cadeia, podendo haver também, como em todo lugar que o propicie, um “babaca” ou um “grupo de babacas”.
A psiquiatria em si apenas aponta “sintomas”. O “tratamento” fica por conta de cada psi-quiatra (obrigatoriamente, médicos que se especializam em psiquiatria). Como médico especialista em psiquiatria e analista seguidor das ideias de Carl Gustav Jung – sem deixar os valores próprios meus que são indissociáveis da minha profissão –, vou pelo caminho do entendimento, da compreensão, de uma dose de remédio e de muito amor pelas pessoas e suas distorções. Acreditando que sejam distorções, busco a compreensão dos porquês de tais distorções e, por certeza ou hipótese, luto no sentido de esclarecê-los e, esclarecendo-os, tento transformá-los em componentes de riqueza e não de repressão, julgamento e condenação.
Produto estragado
Nesse caso, o “sintoma” é o desprezo pelo diploma e por quem ajudou a obtê-lo. Temos três vertentes então: o comportamento pessoal e de grupo cujas raízes estão nos valores familiares; o comportamento de desprezo por um instrumento que deveria potencializar o indivíduo perante a sociedade e cujas raízes estão na faculdade ou universidade que o outorgam; e um comportamento de agressão aos que ajudaram a obtê-lo e cujas raízes estão na capacidade profissional, intelectual, moral e ética do corpo docente.
A partir desses “diagnósticos”, poderíamos passar ao “tratamento” ou tentar influir, questionar, criticar jornalisticamente essas três raízes que provavelmente se apresentam doentes porque estão abaladas – já que a família, a faculdade ou a universidade e o cor-po de pessoas que preparam tais jovens, ao verem o produto de seu trabalho concluído, colhem xingamentos, desrespeitos na forma de interrupções, mostra das nádegas e ou-tros “carnavais” e alcoolias.
Se formos pensar que esse produto saiu “estragado”, deveríamos raciocinar como as grandes companhias que zelam por seus produtos e, portanto, por seus consumidores – o
estrago já vem da linha de produção. Não adianta esconder, jogar fora, destruir o produto e não modificar a linha de produção, desde o trabalhador que produz o produto (no caso, docentes) até a maquinaria (a faculdade ou universidade), sem deixar de passar pela matéria-prima (a família).
Quando se age só no “sintoma” ou no produto “estragado”, corre-se o risco de produzir “vítimas” ou “cristos”. Porém, não se mexe na máquina que os produz. O questionamento,
jornalisticamente, tem de ser feito profundamente e abrangendo pelo menos essas três vertentes.
Hipocrisia geral
Como medida terapêutica de emergência nos casos individuais ou mesmo grupais de transgressão, o diretor ou reitor têm o poder e autoridade para interromper a ceri-mônia, não permitindo que pessoas alheias à faculdade sejam agredidas ou acometidas de angústias e busquem soluções particulares e fora da esfera legal (no caso, os convi-dados ou mesmo mestre de cerimônias). Porém, a longo prazo, tais medidas punitivas e restritivas perdem o efeito se as famílias, a universidade e corpo docente não se questionarem e não forem questionados. Afinal, a existência de Cristo se deveu a um apodrecimento dos valores da época e ele foi “vítima”, não um “babaca” revolucionário. Serão os jovens de hoje babacas – o que não acredito e não aceito – ou serão vítimas da hipocrisia geral?
Nós os crucificaremos repetindo eternamente o mito cristão ou tentaremos entender que eles são a emergência de conflitos e insatisfações que a sociedade se nega a ver e dis-cutir? Eles, inconscientemente, assumem e se predispõem a ser julgados e feridos quan-do, acredito eu, estão denunciando coisas que nós médicos, jornalistas, padres, pastores, professores e políticos deveríamos fazê-lo. Estamos deixando que as eternas vítimas fa-çam isso por nós?
Dr. José Ruben Naime
Tels. (17) 3423-1002, (11) 5549-5319 e 5571-6929