Nada é por acaso!

Costumo passar em frente à Granimar, uma empresa de manufatura de mármores e granitos instalada na Rua Alencar Araripe, no Sacomã, em São Paulo. Ela foi meu primeiro emprego. Ali comecei como officeboy. Anos atrás, ela foi vendida e já não tinha a força e liderança de mercado que sempre teve. Recentemente, fe-chou.

Mesmo sem atividade nos últimos anos, talvez por conta de uma concordata, seus portões permaneciam fechados, mas as instalações estavam no lugar, atrás de um muro alto. Até mesmo a logomarca verde e preta ainda estava impresso em um de seus grandes portões. No final do ano passado, o cenário começou a mudar. Iniciava-se a demolição do prédio e uma placa anunciava: ali seria construída uma EMEF, Escola Municipal de Ensino Fundamental.

Ao ver aquele galpão e prédio administrativo irem abaixo, imediatamente me veio à mente o tempo em que ali passei, as pessoas com quem convivi e aprendi muito durante cerca de quatro anos. Entrei com catorze e saí com dezoito anos.

Cláudio e Guido Bissi, dois irmãos de origem italiana, eram os donos da Granimar. Guido, o mais novo, era um sujeito bonitão e lembrava um artista de cinema. Adorava tirar fotos de suas viagens. Os rolos de filme eu levava para serem revelados e ampliados na Fotoptica da Rua São Bento, no centro de São Paulo. Durante anos, Guido foi o presidente do Sindicato das Indústrias de Mármores e Granitos do Estado de São Paulo. Adorava praia, tinha lancha e vivia bronzeado. Ambos eram casados. Guido morreu novo, vítima de câncer, e Cláudio continuou tocando o negócio sozinho.

Meu trabalho era diretamente ligado à área comercial, cujo gerente, um gaúcho muito gente boa se chamava Cirilo Hermínio Tissot – faz pouco tempo, tive o privilégio de ser o mestre de cerimônias da colação de grau de seu filho (não me lembro de que faculdade). Além de minhas tarefas corriqueiras – Correios, pagamento de títulos, despacho de malotes, etc. — para o “seu” Cirilo eu tinha um compromisso diário: comprar o Jornal da Tarde.

O Jornal da Tarde, nos anos 1970, era um diário despojado. Reunia grandes nomes do jornalismo brasileiro e tinha uma diagramação totalmente fora do padrão, pois era impresso em offset. Chamava-se Jornal da Tarde justamente porque, ao contrário de seu irmão mais velho, o Estadão, chegava às bancas por volta das 11 horas da manhã.

Gostava de ler aquele jornal. E o fazia sempre no ônibus, na volta para o escritório. Na época, um dos textos de que mais gostava era de um certo escritor chamado Nelson Rodrigues. Suas crônicas eram publicadas diariamente. De alguma maneira, ele sempre encaixava em suas tiradas antológicas esta expressão: “Óbvio ululante”. Não sabia quem era Nelson Rodrigues nem o que era “óbvio ululante”, mas gostava do que ele escrevia.

Também eram cronistas do Jornal da Tarde Lourenço Diaféria, Frederico Branco e até um diplomata — José Osvaldo de Meira Pena. Devorava aqueles textos sem saber que aquilo era um forte indício de que dentro de mim havia um futuro jornalista.

As reportagens do Jornal da Tarde também eram diferentes. Já na faculdade é que fui saber que aquela maneira de escrever se chamava “novo jornalismo” e teve origem num autor americano chamado Truman Capote. Vide seu livro A Sangue Frio, de 1966. Entre os repórteres da época, os que mais me atraíam eram Marcos Faerman e Fernando Portela.

Quando cursava o Ensino Fundamental, antigo ginásio, era editor e redator de O Pernalonga, um jornalzinho do centro cívico. Era jornalzinho mesmo, pois seu formato era uma folha A4 dobrada ao meio. Meus colegas da Granimar me ajudavam na sua produção.

Naquela época, havia dois tipos de impressão: à quente (tipográfica) e à frio (offset). Para que O Pernalonga fosse impresso em offset, era necessária uma arte. E essa arte começava com a “composição” dos textos. Como eu não era bom em datilografia, um dos companheiros de trabalho fazia isso para mim. Então, eu pegava aquelas tiras de textos datilografadas, colava em outra folha de papel – dava-se a essa ação o nome de pastup –, onde também estavam ilustrações em nanquim feitas por outro colega, e levava a “arte” para uma gráfica fazer fotolito e imprimir em duas cores — vermelho e preto. Distribuía os exemplares no então Ginásio João Maria Pires de Aguiar.

Hoje, voltando tanto tempo atrás, vejo confirmada a ideia de que nada é por acaso e de que Deus coloca as pessoas certas no momento certo em nosso caminho. Talvez tenha sido essa também a conclusão de Antoine De Saint Exupery quando escreveu:

“Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui outra. Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa só: leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada; há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada. Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente de que duas almas não se encontram por acaso”.

Amorim Leite

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2 respostas para Nada é por acaso!

  1. Ivan disse:

    Que lindo Manoel. Valeu pelo texto, de uma doçura e simplicidade emocionantes. Obrigado.

  2. Pai… Vc anda romântico! Rs rs rs…

    Adoro esse texto que vc postou no final!
    Nem sabia que vc tinha trabalhado nessa empresa!
    Nunca eh tarde!

    Beijão

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